Ao voltar para casa um dia, enquanto descia a via principal, deparei-me com diferentes pessoas e a rua pareceu-me não ter fim. Embora more a três paralelas fora da comunidade, parecia que aquilo era um outro mundo. Muitos podem estranhar o meu choque, acreditando que devido à proximidade e ser a violência tão explorada pela mídia haja facilidade em conviver com essa realidade.
Como em quase toda comunidade, tem-se uma rua principal e diversas paralelas, becos e ruelas. Segundo o Aurélio: “paralelas - cada uma de duas retas que situadas no mesmo plano, não tem ponto em comum”. Segundo a minha cabeça naquele momento: vidas totalmente opostas, situadas no mesmo plano, cujo único ponto em comum é mais geográfico do que geométrico.
Havia pessoas cujas vidas dentro da comunidade eram soberanas que como a via principal tudo passa por elas. São “o poder paralelo”, conseguem ser o legislativo, judiciário e executivo em uma só organização e outras que tinham suas vidas paralelas àquelas. E o verdadeiro poder, onde está? Em algum lugar, é claro, paralelo aquele.
É óbvio que se não fosse a real necessidade, aquele seria um dos últimos lugares do mundo em que eu abriria um negócio que, diga-se de passagem, só serviu para um crescimento interior. Descobri logo, que na comunidade, havia dois públicos, um que podia gastar, comprava roupa de marca ou no Shopping e o outro que não podia comprar.
Dentro da Igrejinha, que não era a única na via principal, diversas vozes entoavam um cântico de paz e amor, e do lado de fora, quase que na porta, dois rapazes empunhavam fuzis com tanto furor.
Mais à frente encontrei uma senhora que tivera seu filho assassinado, provavelmente pelos da “via principal”, e lá estava ela passiva... paralela a tudo aquilo. Reconheci um menino que brincava de bola de gude, alheio as armas e a toda aquela movimentação, um colega de classe do meu filho que nas poucas vezes que lá esteve comigo apertava as minhas mãos e suava frio.
Vi “seu” Arlindo, cujos filhos a vida seguia como duas paralelas: um era pastor e o outro soldado do tráfico. E naquele homem um amor incondicional, único ponto comum daquelas vidas. Deparei-me com mães que assim como eu retornavam do trabalho, e lamentavelmente, outras que escolheram como trabalho o comércio do “pó”. Conheci mulheres que dividiam seus homens numa aparente aceitação, até porque a “lei” local não permite esse tipo de briga. E outras que infelizmente não tinham o direito de reivindicar a enterrar os seus filhos.
E foi nesses encontros e desencontros, que fiquei tentando entender todo esse antagonismo dessas vidas. Como apesar de estarmos tão próximos, vivemos em mundos tão distantes... diferentes.
Busquei culpados para muito do que vi ali. Normalmente é o que fazemos, culpamos Deus, o poder público até o cachorro do vizinho, mas custamos a admitir a nossa parcela de culpa. Costumamos a dizer que tal área é dominada pelo tráfico, mas será que nós não a segregamos ao domínio do tráfico?
Enfim, terminei o percurso e trazia comigo não só cansaço, mas alguns questionamentos que de pronto não conseguiria responder e experiência de conhecer pessoas fortes, batalhadoras. Histórias de dor e superação. Lembrei-me de uma frase: “O que me preocupa não é o grito dos maus. É o silêncio dos bons.” (Martin Luther King)
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