Alguém querido me falou que estava pensando em separação e um sentimento muito triste invadiu meu coração. Não era só tristeza. Havia também o sentimento da impotência. Por não poder evitar a dor que você já conhece, por ser um casal querido, pela união de tantos anos, porque era mais um sonho desfeito. E passiva, lembrei da dor. Gostaria de fazer alguma coisa, mas sabia que não podia. E como não somos donos da verdade, surgem os questionamentos.
Difícil é entender que alguém abandonou o sonho, que de repente já não se sonha mais a dois ou ainda, o que é pior, vê o “seu” sonho compartilhado com uma terceira pessoa. E o que era prazer vira desespero. Ah! Partilhar foi o que se fez durante anos... Partilhamos a vida: família, filhos, amigos, casa, carro, salário, férias, festas, alegrias e tristezas. E de repente não é mais partilhar, mas a partilha a se vivenciar.
Não falo aqui só da partilha material, ainda que essa seja complicada e alguma vezes dolorosa, existe outra “partilha”: emocional e sentimental. É a “repartição” dos opostos de nossas vidas. A alguém cabe a tristeza, ao outro a alegria. Não se divide culpa, atribui-se a alguém. Então há uma vítima. Quando há filhos, a um cabe “a parte” da responsabilidade e ao outro a visita, a distração e por aí vai.
Como um filme você relembra os anos passados, foca mais as dificuldades, os obstáculos superados, talvez para auto-afirmar que pessoa maravilhosa você foi e que não merecia que tudo estivesse a ruir. Nesse momento, você precisa de um culpado... e não é você.
Agarramo-nos a idéia de que o outro mudou. Não nós... somos iguaizinhos ao que éramos há alguns anos atrás. Algumas vezes encontramo-nos na rotina a grande vilã da nossa história. Reafirmamos que fizemos de tudo, às vezes para convencermo-nos. E quase sempre o TUDO ainda estava por fazer.
E é nessas indagações e acusações que passamos os primeiros tempos, que podem durar dias, meses ou alguns anos. O que me faz lembrar uma historinha, cujo autor é desconhecido e que dizia: “Que o amor queria a travessar um caudaloso rio. E chegando a um primeiro barqueiro, perguntou se este o levaria, houve recusa; chegando ao segundo, também obteve recusa, e ele continuou caminhando à margem do rio, parecia já ter andado muito e já cansado, achando que não alcançaria a outra margem; encontrou um terceiro barqueiro, e este aceitou fazer a travessia. Curioso ele perguntou:
_ O Senhor sabe o nome do primeiro barqueiro à margem do rio?
_ Sim, é o desprezo.
_ E o segundo?
_ A dor.
_ E o seu qual é?
_ O tempo.
E realmente é assim, há dores que só o TEMPO ajuda-nos a fazer a travessia.
Numa união desfeita sempre há feridos, às vezes os dois, ambos se perdem no sonho comum e ainda assim só o tempo para curar as feridas.
Ante a minha impotência em ajudar, resta-me a orar por esse casal. Vibrando para que eles possam buscar dentro de si o desejo, a vontade de atravessarem juntos esse rio. Que consigam relembrar as coisas boas e ver que o amor que os trouxe até aqui ainda existe, ainda que esquecido, adormecido, quem sabe até machucado.
Que reaprendam a se amar, não com o encantamento do começo, pois esse é o que esconde, o que dissimula aquilo que não queremos ver e que com o passar dos anos vai se desencantando aos nossos olhos. Mas com o amor construído nesses mesmos anos, que será capaz de entender que ninguém modifica ninguém e assim aceitar o outro com as suas fraquezas e limitações. Que nos faz compreender que o mesmo “tempo” que nos cura, nos traz marcas e transformações inevitáveis, e o quanto precisamos aprender a conviver com elas.